Na última década, os asiáticos, mais especificamente os chineses, têm tomado conta do comércio do Centro da cidade. O Shopping dos Fabricantes é um dos locais que abrigam seus negócios. Quase metade das 60 lojas de uma das suas três sedes, localizada na rua Barão do Rio Branco, é alugada aos chineses.
A maioria vem para o Brasil por indicação de algum amigo ou parente. Eles entram no país como turistas e permanecem por tempo indeterminado; às vezes, pelo resto da vida. Passam pela grande São Paulo, lugar que recebe a maior concentração de importados e demais mercadorias que são distribuídas para onde quer que os outros estejam. “Vem tudo de São Paolo“, disse um deles, sem se identificar. Lá, ficam espalhados pelos comércios, principalmente, das ruas 25 de Março, Vinte e Quatro de Maio e bairro da Liberdade. Os artigos distribuídos, somados, chegam a valer de 100 a 200 mil reais. São bolsas, sandálias, tênis, óculos, blusas, relógios e uma infinidade de miudezas.
Os chineses que desembarcaram em Fortaleza são reservados. Olham de forma desconfiada para a caneta e o papel. Entrevistá-los é complicado. Da câmera fotográfica, então, eles querem distância. Foto, nem pensar! “No, no, no, sem fotos, sem fotos”, é o que dizem com um português precário. O vocabulário é restrito, principalmente, aos preços dos produtos, o tamanho das peças e as formas de pagamento “em dinheilo, clédito ou débito”. Entre si, conversam apenas em mandarim, provavelmente para dificultar a compreensão dos brasileiros.
Eles vieram para Fortaleza pelo clima e, principalmente, pelo custo de vida. Em São Paulo, tudo é muito caro; aqui, eles vivem bem, têm carro e apartamento próprios, mas, em sua maioria, estão no país de forma ilegal, são de famílias pobres e carentes da China que vêm tentar uma vida melhor. A solução encontrada para obter cidadania brasileira e sair da clandestinidade foi engravidar e, até que o primeiro filho nasça, fugir da fiscalização.
Quem são eles?
Lilian ou Liliane (sem sobrenome, “só assim”, como ela mesmo diz) está no país há quase seis anos, é chinesa de Xangai e já tem uma filha, que, de brasileira, tem apenas a nacionalidade. “Minha família inteira saiu de Xangai para tentar alguma coisa aqui no Brasil, né?”, contou. Ela enfrentou a dificuldade da língua e ainda fala e entende muito pouco do português brasileiro. É preciso falar devagar, e ela parece ter medo de responder algo que possa vir a lhe prejudicar. Lilian vende bolsas, óculos e roupas. Sobre voltar ao país de origem, ela é bem enfática: “não, Brasil é melhor!”.
Já André Fazhong, de uma das lojas vizinhas, tem 17 anos e é brasileiro, fala português e mandarim perfeitamente. O ponto alugado no shopping é dos seus pais. “Meu pai é da capital, Pequim. Ele começou em São Paulo, como a maioria faz, mas, por causa da poluição, meu irmão mais novo começou a ficar doente”. A escolha por Fortaleza veio da indicação de um amigo. A loja é bem pequena, mas os clientes entram e saem o tempo todo, mesmo sendo feriado de 21 de abril e sob muita chuva.
André terminou o 3º ano do ensino médio, mas não tem ideia do curso para o qual pretende prestar vestibular. “Não sei, não penso nisso ainda”, disse rindo. É brincalhão, mas bem tímido, e estava com seu primo, que mora no Brasil há dois anos e mal fala português. Ele já foi à China duas vezes, mas não sabe dizer qual é o melhor país. “Sinceramente, não sei qual dos dois escolher, são muito diferentes”.
Legalização
A situação das famílias de Lilian e André no Brasil é totalmente legalizada, mas não é assim com a maioria. De acordo com Tasso Renan, um dos administradores do shopping, existe uma rede montada por trás da vinda de todos esses imigrantes ilegais, que são atraídos pela possibilidade de crescer na vida. “O dinheiro daqui é um dinheiro valorizado lá, então eles já vêm fugidos. Em São Paulo, eles têm uma pessoa que distribui todas essas mercadorias e funciona da seguinte forma: se o brasileiro não ajuda, um chinês ajuda o outro. Eles já são muito unidos e já vêm através de um ‘coiote’, então é assim que funciona toda a ‘máfia’”.
A fiscalização existe, mas ainda é insuficiente diante dos truques que eles desenvolveram para driblá-la. Rapidamente, as portas são fechadas, a mercadoria é recolhida e todos desaparecem, como num passe de mágica. “Quando a fiscalização vem, faz pena e dó, só que é uma coisa impressionante. A polícia vem e leva 100 mil reais (em mercadorias) e, no dia seguinte, eles já têm 200 mil dentro de novo. O shopping loca o ponto, mas a responsabilidade é deles. Na hora de uma ‘batida’ da (Polícia) Federal, a gente não faz nada”, explicou Renan.
Uma ajudinha da lei
Em 2009, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a chamada Lei da Anistia Migratória, que autorizou a residência provisória de cidadãos estrangeiros em situação irregular no país.
Na época, todos os estrangeiros que tivessem entrado no Brasil até o dia 1º de fevereiro do mesmo ano e permaneceram no país após o vencimento do visto de imigração puderam regularizar sua situação, ganhando o direito de trabalhar de forma regular e legal. Os chineses foram um dos grupos mais beneficiados pela nova lei.